19.12.09

Por minha infindável partida

Ascendo ao mais doce ar primaveril,
Folhas mortas que deixam o chão mais terno,
São o tumulo esverdiado do inverno,
São o rastro deste belo, porém vil.

Descendo da terminação carbônica,
Circulações e nervos oxidados,
Aperto contra os dedos atrofiados,
Flores mortas da primavera harmônica.

E em cada gole dos pés contra o solo,
Passadas graves no rosto da vida,
Pés sujos com os quais seu rosto esfolo.

E em cada florir vejo a despedida,
Em cada ramalhete o desconsolo,
Por meu ar, passos, por minha partida...


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14.12.09

Orbitário

Durmo, e em meu sono já tão pesado,
Meto as órbitas contra os céus das pálpebras.
E indolente, vou com palavras naufragas
do mar de mim a além do céu trincado.

Durmo, mas meu descanso já me cansa
Ao marasmo das horas encrespadas.
Meio a luta que travo sem espadas,
Sem escudos contra a minha alma mansa.

Durmo, mas quem repousa além de mim?
Quem pousa o aval do sim, o amém?
Quem permite seja um meio fim?

Aquem. - durmo além dos meus medos.
Longe: Da órbita dos meus pensamentos,
Da gravidade longinqüa dos dedos.


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4.10.09

Intempérie

Sete passos e sete sombras minhas.
um arvoredo, um banco de madeira,
e sentado, no topo da ladeira:
- sete passos e sete sombras tinhas.

Céu rasgado, um veio de nuvem preta.
olhos pesados como tempestade,
escuros, como a tarde que se invade
de chuva. vôo de escura borboleta.

amargor, em cada gota amornada
pelo sol, já cansado e sonolento,
segue lento, sob a chuva encrespada.

n'um instante de vento turbulento,
eis que encontro a borboleta rasgada
pela força do negro firmamento.

3.10.09

Data venia, quiçá...

Data venia o que escrevo fosse só
o que escrevo. e o só que fora escrito,
como se lido então posto prescrito,
inscrito em nó atado, em cego nó.

data venia o que leio do exposto,
sem mal sem gosto, fosse só rascunho,
do dedilhar do meu malgrado punho,
fosse só escrito sem dó ou desgosto.

Quiçá findasse o negrume das mãos,
na alvura do papel que mora à mesa,
o atinar doudo dos olhos sãos.

quiçá os versos mortos em ruiqeza
sobre o papel. versos mortos e vãos,
furtassem das mãos a viva tristeza.

18.6.09

Barro

Meu jarro de barro quebrou, é pó.
é nó desatado do lado esquerdo
do pensamento que eu acho e que eu perdo,
é jarro que eu racho no chão, é só.

Meu pensamento esfarelou, é jarro.
pedaço de pedra despedaçado,
no aço da quimera do passado,
que aos sonhos aos nós sôfregos amarro.

o vento dispersou o pó do barro,
que tecia a moldura da essência,
desta ciência insípida que narro.

como tempestade, levou - me embora,
da forma que me forja no passado,
no futuro, no que perdeu - se agora.

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13.5.09

Hora

As horas que me disponho ausente,
presente comigo e a mais ninguém,
além do tino que me forma alguém
aquém, do que vê, pensa, toca e sente.

As horas da falta do meu apego,
do sossego gasto com pensamento,
alento e lento n'um firmamento
de céu torto, que aos solavancos ergo.

As horas do ponteiro intermitente,
do tempo que sinto gastar na face,
do enlace que sinto gastar na mente.

espelho que desmente a mente agora,
que trinca o vidro fino da ilusão,
que grita nos olhos o firme da hora.


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11.5.09

Primavera

Primavera morre aos pés do verão.
a árvore seca das folhas já findas,
flores que ao vento não são mais bem vindas,
pétalas inodoras voam ao chão.


Primavera doente, do tempo serva.
o pássaro do canto fraco e triste,
no galho frágil. sentado persiste,
observando a morte da flor, da erva.


Primavera já desmancha à partida,
recolhe suas cores ao porvir,
e sabe que é da vida o desistir,
q'a vida sempre vai em despedida.


Primavera morreu, sorrindo às pétalas.

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23.4.09

Cinzas flores

A hora que se desencarna exausta,
nas cinzas carbônicas do imperfeito
pensamento, e do que trago ao peito,
firmamento, inspiração infausta.

Um trago ou dois nas cousas do ar alheio,
paladar e órbitas nu'm amargo,
Q'ofereço ao mundo no hostil trago,
dos pulmões ao nasal, que no ar permeio.

As tais cousas cinzas e silenciosas,
dos lugarejos emudecedores,
construções de idéias tão arenosas.

Os eus perambulando aos arredores,
( os eus de mim, as cousas desgostosas. )
expirando um buquet de cinzas flores.

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17.4.09

Trova menor

Ai folhas soltas das alfazemas,
se ouvirdes o vento que te tremas,
perguntas do amor de mim.

Ai folhas maculadas de jasmim,
se tremerdes ao ouvir falar de mim,
perguntas ao vento sobre o amor.


Ai folhas de mato sem cheiro,
se ouvirdes o vento primeiro,
perguntas do amor de mim.

Ai vento que enamora a natureza,
se souberdes a resposta, por proeza,
mi açoita sobre o ditado amor.

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Árvore

Da terra que semeia, que da vida,
a tudo que nela se faz semente.
ao sol que descansa nela poente.
lua, que se faz no lago refletida.

Do caule, d'ossos e de carne erguido,
cuj'a seiva caminha venosamente,
nas trilhas em azul, e ferozmente,
furta o ar, do pulmão escurecido.

Dos galhos, vívidos ao horizonte,
trepidantes ao afago do vento,
tão sussetíveis a qualquer invento,
à direção que seu ramo aponte.

Das folhas como uma vontade alheia,
um qualquer pensamento despreendido,
d'um sonho opaco, num livro esquecido,
qu'olhar do entardecido folheia.

De mim, como uma árvore antiga,
de olhos já tão duros, centenários,
que perdura entre os doces orquidários,
que tem no vento uma doce cantiga.

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Emaranhado

A alma emaranhada,
feito novelo de lã.
Rir estrangulado,
nos lábios da boca anã.
Força em punho errada,
que esmurra o sol da manhã.
Calor espurgado,
no suor da febre terçã.
A alma desatada,
amarrada à vida vã.

A vida feita aos atos em desatos,
Feito lã, lã dos novelos dos gatos.


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Joio

É teu legado o joio da hora infausta,
no manto esbranquiçado do trigal,
e da foice que dilacera o mal,
morreu cega, na tua boca exausta.

É teu legado o vil joio do trigo,
os pontos pretos no céu branco e puro,
pontos tantos, parecem n'alma furo,
um lençol embolorado e inimigo.

Um tecido que tua alma se veste,
branco e velho, com veios tão escuros,
algodão puro, qua ao maltrato deste.

Um campo branco, com tão altos muros,
porém, um trigal todo entregue a peste,
porém, um pensar todo feito em furos.

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15.4.09

Inconjunto

O tortuoso da árvore cadavérica,
de folhas jazidas e outonais,
formam a gravura do nunca mais,
em traços negros contra a lua esférica.

Veios apodrecidos da madeira,
como a carne da face desgastada,
são enlace entre a alma despedaçada
e o lume, na hora derradeira.

É toda uma estrutura destoada,
no desterro da raiz até o céu,
mauzoleu na figura de pé armada.

Um gigante de forma tão tristonha,
um Inconjunto na noite enluarada,
imperfeito a tudo que se disponha.


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