23.4.09

Cinzas flores

A hora que se desencarna exausta,
nas cinzas carbônicas do imperfeito
pensamento, e do que trago ao peito,
firmamento, inspiração infausta.

Um trago ou dois nas cousas do ar alheio,
paladar e órbitas nu'm amargo,
Q'ofereço ao mundo no hostil trago,
dos pulmões ao nasal, que no ar permeio.

As tais cousas cinzas e silenciosas,
dos lugarejos emudecedores,
construções de idéias tão arenosas.

Os eus perambulando aos arredores,
( os eus de mim, as cousas desgostosas. )
expirando um buquet de cinzas flores.

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17.4.09

Trova menor

Ai folhas soltas das alfazemas,
se ouvirdes o vento que te tremas,
perguntas do amor de mim.

Ai folhas maculadas de jasmim,
se tremerdes ao ouvir falar de mim,
perguntas ao vento sobre o amor.


Ai folhas de mato sem cheiro,
se ouvirdes o vento primeiro,
perguntas do amor de mim.

Ai vento que enamora a natureza,
se souberdes a resposta, por proeza,
mi açoita sobre o ditado amor.

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Árvore

Da terra que semeia, que da vida,
a tudo que nela se faz semente.
ao sol que descansa nela poente.
lua, que se faz no lago refletida.

Do caule, d'ossos e de carne erguido,
cuj'a seiva caminha venosamente,
nas trilhas em azul, e ferozmente,
furta o ar, do pulmão escurecido.

Dos galhos, vívidos ao horizonte,
trepidantes ao afago do vento,
tão sussetíveis a qualquer invento,
à direção que seu ramo aponte.

Das folhas como uma vontade alheia,
um qualquer pensamento despreendido,
d'um sonho opaco, num livro esquecido,
qu'olhar do entardecido folheia.

De mim, como uma árvore antiga,
de olhos já tão duros, centenários,
que perdura entre os doces orquidários,
que tem no vento uma doce cantiga.

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Emaranhado

A alma emaranhada,
feito novelo de lã.
Rir estrangulado,
nos lábios da boca anã.
Força em punho errada,
que esmurra o sol da manhã.
Calor espurgado,
no suor da febre terçã.
A alma desatada,
amarrada à vida vã.

A vida feita aos atos em desatos,
Feito lã, lã dos novelos dos gatos.


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Joio

É teu legado o joio da hora infausta,
no manto esbranquiçado do trigal,
e da foice que dilacera o mal,
morreu cega, na tua boca exausta.

É teu legado o vil joio do trigo,
os pontos pretos no céu branco e puro,
pontos tantos, parecem n'alma furo,
um lençol embolorado e inimigo.

Um tecido que tua alma se veste,
branco e velho, com veios tão escuros,
algodão puro, qua ao maltrato deste.

Um campo branco, com tão altos muros,
porém, um trigal todo entregue a peste,
porém, um pensar todo feito em furos.

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15.4.09

Inconjunto

O tortuoso da árvore cadavérica,
de folhas jazidas e outonais,
formam a gravura do nunca mais,
em traços negros contra a lua esférica.

Veios apodrecidos da madeira,
como a carne da face desgastada,
são enlace entre a alma despedaçada
e o lume, na hora derradeira.

É toda uma estrutura destoada,
no desterro da raiz até o céu,
mauzoleu na figura de pé armada.

Um gigante de forma tão tristonha,
um Inconjunto na noite enluarada,
imperfeito a tudo que se disponha.


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